Sociedade do Espetáculo
A notícia da morte de Guy Debord, em 30 de novembro de 1994, foi para a primeira página de quase toda a imprensa francesa, que o tratou como um dos mais importantes pensadores do século. Dias depois, a televisão exibiu "Guy Debord, son art et son temps". Em seguida, o filme-documentário "A sociedade do espetáculo" também foi levado ao ar, pela primeira vez. Nada a estranhar, a não ser pelo fato de que o trabalho de Debord, em vida, fora sistematicamente ignorado por essa mesma mídia que ensaiou resgatá-lo depois de sua morte.
Filósofo, agitador social, diretor de cinema, Guy Debord se definia como "doutor em nada" e pensador radical. Ligou-se na década de 1950 à geração herdeira do dadaísmo e do surrealismo. Em julho de 1957, com artistas e escritores de diferentes países, fundou na Itália a Internacional Situacionista, cuja revista, editada por mais de dez anos, inaugurou o discurso libertário que ganharia o mundo a partir dos acontecimentos de Maio de 1968. Um ano antes da eclosão do movimento, Debord publicou a mais importante obra teórica dos situacionistas, "A sociedade do espetáculo", um livro espantosamente lúcido e demolidor, precursor de toda análise crítica da moderna sociedade de consumo. Quanto mais o tempo passa, mais atual se torna este texto, pois, como disse Jean-Jacques Pauvert, "ele não antecipou 1968, antecipou o século XXI".
A primeira edição brasileira de "A sociedade do espetáculo", neste volume, sai acompanhada de dois trabalhos posteriores ? um de 1979, outro de 1988 ? em que Debord comenta a própria obra. "Posso me gabar de ser um raro exemplo contemporâneo de alguém que escreveu sem ser imediatamente desmentido pelos acontecimentos", ele diz: "Não estou me referindo a ser desmentido cem ou mil vezes, como os outros, mas a nem uma única vez. Não duvido que a confirmação encontrada por todas as minhas teses continue até o fim do século, e além dele. Por um simples motivo: compreendi os fatores constitutivos do espetáculo (...) considerando o conjunto do movimento histórico que pôde edificar esta ordem e que agora começa a dissolvê-la. Nesta escala, os anos passados [desde a primeira edição do livro] foram apenas um momento da sequência necessária daquilo que eu havia escrito: o espetáculo aproximou-se ainda mais do seu conceito..."
Debord estava certo: nunca a tirania das imagens e a submissão alienante ao império da mídia foram tão fortes como agora. Nunca os profissionais do espetáculo tiveram tanto poder: invadiram todas as fronteiras e conquistaram todos os domínios ? da arte à economia, da vida cotidiana à política ?, passando a organizar de forma consciente e sistemática o império da passividade moderna. O que o leitor tem em mãos é a mais aguda crítica à sociedade que se organiza em torno dessa falsificação geral da vida comum.
César Benjamin