O Livro da Luz
Há mais de dois séculos, Marco Túlio Cícero dizia que, para envelhecer bem, é preciso se manter intelectualmente ativo. Este conselho foi seguido à risca por outro Cícero, o autor deste livro.
"Envelhecendo é uma senha para acessar a intensidade com que o autor experimentou e ainda experimenta sua sede por conhecimento e seu apreço pela beleza, em suas variadas formas.”
- Tarcísio de Lima Ferreira Fernandes Costa
"Seu espírito, dotado de um inconformismo ímpar, mantém acesa a chama de produzir, amar, emocionar-se e sentir-se útil, ao comunicar às gerações mais novas as experiências vividas e curtidas pelo prisma do tempo.”
- Cícero Ferreira Fernandes Costa Filho
Cícero Ferreira Fernandes Costa é professor titular de Tocoginecologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Pernambuco e professor livre-docente pela Universidade Federal da Bahia. Publicou "À Luz da Palavra" (2010), "Gravidez Ectópica Abdominal Tardia" (2011), "À Luz da Pintura" (2012) e "Campo de Batalha" (2014).
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"Envelhecendo" é o título que meu pai resolveu dar a este livro de poemas e crônicas. Talvez a escolha tenha a ver com o tom nostálgico de alguns textos. Penso naqueles dedicados aos 50 anos de sua formatura em medicina e também no que comenta viagem que fez a Campina Grande, onde não mais encontrou o hotel Guarani.
Ou, quem sabe, o título se deva ao fato de que o livro é um retorno amadurecido aos vários campos de interesse que teve ao longo da vida. Nas obras anteriores, privilegiou sempre uma dessas áreas: ora a medicina, ora a arte com a literatura, ora a história, com foco na segunda guerra mundial. Agora colocou tudo junto, como se quisesse por em relevo sua trajetória, o conjunto da obra.
Só que o resultado trai, de certo modo, o título. Porque revela um espírito aceso, que se atualiza a cada dia. Fica claro que meu pai e seus interesses não pediram aposentadoria. Pelo contrário. Basta lembrar que parte do livro é composta de textos inéditos. Leio, pela primeira vez, seus poemas "médicos" e os escritos sobre as catedrais de Santa Sofia e São Basílio, Graciliano, 1968 e o plano Marshall. E, neles, o olhar de Dr. Cícero mostra-se inquieto. O epílogo que faz da crônica sobre 1968 remete ao presente, ao legado que nos deixou a eclética geração dos sessenta.
Não apenas pelo ineditismo de alguns textos o livro de meu pai é para mim uma obra em aberto. Vejo-a como uma senha para acessar a intensidade com que o autor experimentou e ainda experimenta sua sede por conhecimento e seu apreço pela beleza, em suas variadas formas.
Tive o privilégio de acompanhar meu pai — na companhia de mamãe, Ivana, Maria, Teo e da sobrinha Marcela — em visita a Milão, da qual resultaram os depoimentos reunidos no livro sobre o Duomo, a Última Ceia e a Pietá Rodanini. Poderia estender-me sobre os ensinamentos que então recebi a respeito da composição por Leonardo de seu painel ou da obra inconclusa de Michelangelo. Mas o que me vem primeiro à memória e ao sentimento é a lembrança do êxtase silencioso de meu pai. Não era um êxtase barroco, que transbordasse em gestos. Era mais "renascentista", fiel aos objetos: uma atitude de atenta e aguda contemplação, do todo e, no mais das vezes, dos detalhes, que discernia como poucos estão dotados a fazê-lo.
Faço uma ilação, que, se equivocada, peço a meu pai que me perdoe. Mas me ocorre que a atitude de que me recordo assumida por Dr. Cícero no monastério Santa Maria della Grazie, diante da Última Ceia, respondia ao que via e desfrutava, mas acusava também um traço existencial, qual seja, sua capacidade de abraçar e dar sentido às opções que fez na vida.
- Tarcísio de Lima Ferreira Fernandes Costa