O Cânone Ocidental
Se tem um foco especial em Shakespeare, o núcleo duro do cânone ocidental segundo Harold Bloom, os artigos deste livro estão longe de uma abordagem reverencial das formas consagradas. Ao contrário, o que lhe interessa das peças do bardo inglês – aliás, ele próprio, um grande adaptador –, é principalmente o processo pelo qual foram apropriadas e recriadas em novos formatos e mídias, de uma simples "adaptação" (e nenhuma adaptação, por mais simples que seja, é simples) a uma radical transcriação. Se de um lado temos preferencialmente obras oriundas do campo da literatura, e não só Shakespeare, mas também Kafka, García Márques, Osman Lins e Machado de Assis, por outro nos deparamos não só com o cinema, mídia já "clássica", mas também com HQs, animação digital, literatura de cordel e séries de televisão. Ou seja, do pop ao popular, gêneros ou manifestações artísticas, não raro intersemióticas, que ainda não gozam plenamente do prestígio acadêmico. Mas o que importa? Afinal de contas, o romance, gênero híbrido de origem plebeia, não foi só receber reconhecimento oficial lá pela metade do Romantismo? Aliás, os estudos de intermidialidade não estão aí para corroborar os juízos de valor estabelecidos. Se o que conta, no traslado de uma mídia a outra, de uma arte a outra, de uma cultura a outra, não é a fidelidade, mas a traição criativa, um dos objetos de toda pesquisa que se queira pertinente é uma subversão do nosso legado ocidental. Não para destruir o cânone (pois sempre haverá um cânone, nem que seja no sentido de um paideuma pondiano), mas para abri-lo, ampliá-lo, diversificá-lo, de modo que se torne mais afim ao nosso mundo pluricultural. Esse é o convite que este livro, ao fim e ao cabo, quer fazer.